FERNANDO PESSOA/ALBERTO CAEIRO (1888-1935):
o
pastor amoroso
O PASTOR AMOROSO perdeu o cajado,
E as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
E, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para
tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais
encontrou cajado.
Outro, praguejando contre ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal.
Quando se ergueu da encosta e da verdade falsa, viu tudo:
Os grandes vales cheios dos mesmos verdes de sempre,
As grandes montanhas longe, mais reais que qualquer
sentimento,
A realidade toda, com o céu e o ar e os campos que
existem, tão presentes.
(E de novo o ar, que lhe faltara tanto tempo, lhe entrou
fresco nos pulmões)
E sentiu que de novo o ar lhe abria, mas com dor, uma
liberdade no peito.
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